Crítico britânico discute importância da literatura infantil
EUCLIDES SANTOS MENDES - FOLHA DE SÃO PAULO
Em entrevista ao caderno "Ilustríssima", o crítico literário e professor emérito na Universidade de Cardiff, no Reino Unido, Peter Hunt, autor de "Crítica, Teoria e Literatura Infantil" (Cosac Naify, trad. Cid Knipel, 328 págs., R$ 59), analisa a importância reservada aos livros para crianças.
Folha - Em que a literatura infantil se diferencia de outras formas literárias?
Peter Hunt - A grande diferença é que, de algum modo, ela contém alguma ideia sobre a criança ou sobre a infância. Os autores que escrevem literatura infantil estão pensando em alguma ideia sobre a criança. Eles podem escrever para uma criança real que conheçam, sobre o que pensam a respeito das crianças em geral, sobre o que o editor pensa que as crianças são, sobre como as crianças deveriam ser, sobre como eles eram quando crianças ou como um presente para a sua própria infância perdida. Os autores podem adaptar, mudar ou alterar seu estilo ou conteúdo para uma linguagem que as crianças entendam, mas eles são, ainda assim, adultos, e não podem deixar de sê-los quando escrevem. Há sempre um adulto escondido num livro infantil. Isto é complexo. Mas há sempre alguma ideia de criança no livro. Livros infantis não podem ser simples -são escritos por adultos!
Folha - Há complexo de inferioridade na literatura para crianças?
Peter Hunt - Sim, mas somente porque muitos adultos pensam que ela deve ser simples porque é para crianças. Livros infantis têm sido excluídos da história literária: críticos adultos estão muito ocupados sendo adultos e rejeitam (ou têm medo) da sua própria infância. Por isso, olham os livros infantis para baixo, e assim há muita pressão sobre autores infantis e editores para pensarem que eles devem ser inferiores. Além disso, críticos adultos gostam de achar que são uma elite, um grupo de alta classe de intelectuais, enquanto ninguém pode falar sobre livros infantis! Isto está mudando, em parte porque os livros para crianças são agora financeiramente muito importantes para editores. Mais ainda porque as pessoas estão começando a entender que livros infantis são diferentes de livros adultos e não podem e não deveriam ser julgados segundo os mesmos critérios e ideias. Além disso, livros infantis são poderosos e perigosos, sobretudo porque a ideia de um "cânone", de que alguns livros são "melhores" que outros e que os livros para crianças não são tão bons quanto os clássicos adultos, está desaparecendo. Mais e mais, livros são julgados não por comparação, mas pelo que eles fazem. Por isso, nenhum é inferior ou superior. (Há também o problema de que as mulheres são muito importantes na literatura infantil -escrevem, publicam e dão livros às crianças- e, em muitas sociedades, elas são ainda consideradas inferiores.)
Folha - A legitimação crítica desse tipo de literatura está consolidada?
Peter Hunt - Não. Um grande problema é que, muito frequentemente, livros infantis são comparados com alguns livros adultos. Há literatura infantil popular, há livros sérios para crianças e clássicos infantis, exatamente como também existem livros populares, sérios e clássicos para adultos. Agora que muitas universidades estão encarando seriamente os livros para crianças, a literatura infantil está mais legitimada.
Folha - Como as novas mídias se relacionam com a literatura infantil?
Peter Hunt - A nova geração de crianças está crescendo e sendo educada por computadores, internet, videogames... Isto significa que ela pensa diferentemente das gerações anteriores: recebe informações de diversas formas, fazem conexões de diferentes maneiras. As crianças hoje contam histórias de modos diferentes (elas constantemente controlam as histórias, e histórias têm muitos autores). Por isso, os adultos têm que entender esta nova maneira de ler os novos tipos de literatura infantil que emergem (muito mais multimídia, com imagens, menos palavras, diferentes estruturas).
Folha - Que tipo de adaptação houve na edição brasileira do seu livro?
Peter Hunt - Cerca de um terço dele é novo. "Crítica, Teoria e Literatura Infantil" foi publicado [originalmente] em 1991, quando tínhamos que lutar pelos livros infantis muito mais do que hoje. Então, na nova edição, eu mudei a ênfase: menos luta e mais discussão sobre os modos como a literatura infantil é diferente e a maneira como os adultos tem que pensá-la. Desde que o meu livro foi escrito, houve uma explosão de livros sobre literatura para crianças. Procurei deixar o meu livro menos britânico. Cortei exemplos que poucas pessoas fora do Reino Unido compreenderiam, e tentei incluir exemplos mais universais. Além disso, mudei muitas das minhas ideias, e, por isso, há novos capítulos (como um sobre novas mídias).
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