Nostalgia da Matinê
Minha infância
careceu de matinê. Nunca soube o que era programação dupla: bang-bang, seguido
de filme de aventuras, capa e espada ou comédia. Estive ausente do cinema da
tarde, onde crianças e jovens emergiam do escuro de alma lavada. Em
contrapartida, vi surgir os filmes-catástrofe, como Terremoto, quando sentimos pela
primeira vez o cinema tremer com os efeitos especiais. Sem falar do,
inesquecível, pânico e nojo do O
exorcista. Além da diversão da tela, havia o prazer de partilhar em
silêncio do mesmo sonho. O cinema é uma escuridão acompanhada, pesadelos não
causam ansiedade, desejos não geram culpa. Por isso, não podia ser maior minha
gratidão com Peter Jackson, que levou às telas as histórias de Tolkien.
Fui apresentada à
literatura do filólogo inglês durante a infância das minhas filhas. O padrinho
da mais velha presenteou-a com um exemplar de O
Hobbit, livro introdutório da saga, a história que acaba de tornar-se
filme. Laura tinha seis anos quando seu pai começou a lhe ler aquelas
intrincadas aventuras. Ela escutava com a respiração suspensa. A operação se
repetiu anos mais tarde com Júlia, a caçula, mas àquela altura eu mesma já
havia entrado no livro. Lembro de ter ido trabalhar sem dormir, incapaz de deixar
meus heróis em meio de uma batalha contra Trolls ou nas garras de um dragão.
“Todas as
histórias precisam de polimento”! Diz o mago Gandalf num diálogo dessa
adaptação de Jackson. Ele tomou liberdades, sim, mas em nome do direito de
re-apresentar a saga ao público de outro tempo, quase quatro décadas após sua
publicação. As histórias da Terra Média nunca deixaram de ser o lar imaginário
de sucessivas gerações de jovens iniciados, no cinema se tornaram acessíveis a
todos.
O mago Gandalf é
uma espécie de guru da masculinidade e, como está difícil saber como tornar-se
homem atualmente, seus ensinamentos vem a calhar. Quando li o livro, as músicas
cantadas pelas personagens, cujas letras Tolkien inseria na trama, me matavam
de tédio. Na recente versão filmada, se ouvisse aquele canto dos anões
convocando para resgatar sua terra natal eu teria me alistado! Assim fez o
pacato Bilbo, que abandonou a rotina doméstica rumo ao desconforto e, pior, o
perigo. Suas aventuras resultaram numa história para contar e foram justamente
essas narrativas que levaram seu descendente Frodo à jornada com a Sociedade do
Anel. Os humanos fazem-se a partir de histórias e elas sempre podem ser mais e
melhor contadas: no escurinho do cinema, nas páginas de um livro, tanto faz,
desde que traga o épico para nossa vida banal.
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Diana Lichtenstein
Corso
(51)91140752
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