quarta-feira, 30 de abril de 2008

Pinóquio - Do tosco ao humano, a padronização.



Na apresentação de As aventuras de Pinóquio (Editora Paulinas-1989), tradução de Liliana e Michele Iacocca, Liliana afirma “Pinóquio não é príncipe, não é rei, não é super-herói. É um pedaço de pau que está dentro da gente, dentro de quem quer virar gente.”

Pinóquio está em terceiro lugar no ranking dos livros mais vendidos, como a Bíblia e o Alcorão. A sedução ao texto de Carlo Collodi, de nome original Carlo Lorenzini, ficou gravada na memória de muitos leitores através da característica do personagem central, um boneco de madeira que, ao mentir, seu nariz crescia delatando-o. Mas há mais a investigar nesse texto que se perpetua no imaginário de leitores de todas as idades do que apenas o espaço do certo e do errado no desenvolvimento infantil.

Como bem diz Liliana, Pinóquio é um pedaço de pau que está dentro da gente. Nascemos toscos, sem limites, sem enquadramento no que venha a ser coerente e aceitável como comportamento social. Mais do que um menino meramente egoísta, Pinóquio é uma criança ingênua, começando sua caminhada num mundo repleto de armadilhas a tentá-lo em sua essência primordial, em seu aspecto mais humano, a pureza.

Para que venha a se transformar em menino, como é de seu desejo, Pinóquio precisa se aventurar no mundo e descobrir seus limites, como marionete à disposição do joguete social que os adultos lhe impõem. Quase como que lhe dizendo, o mundo é um lugar cruel, injusto até, sobrevivem os fortes, os que se enquadram, os que se submetem ao polimento de sua madeira em estado bruto.

Pinóquio é um menino indefeso, que, para ser “gente” precisa se adequar ao sistema imposto. Isso fica muito claro na ilustração final, de Nino e Silvio Gregori, da edição a que me refiro. Lá está Gepeto moldando uma rica moldura de folhagens. Pinóquio vê no espelho, numa sobreposição de imagens difusas, sua transformação de boneco a menino. Este, em primeiro plano, em cores, a imagem bem definida de menino. Ele usa roupas de menino bom, com laçarote na gola, cabelos bem alinhados e olhos azuis. O texto final ressalta esse aspecto sugerindo que a madeira foi polida e embaixo dela descoberta sua natureza bela tal qual a perfeição de um ramalhete de flores “...viu a imagem viva e inteligente de um bonito menino de cabelos castanhos, olhos azuis e com ar alegre e festivo como um buquê de rosas...” e mais adiante, num dos últimos parágrafos, quando Gepeto refere-se às mudanças ocorridas na casa, diz ao menino Pinóquio “Porque quando os meninos mal comportados se tornam bons, conseguem dar alegria e felicidade também para a sua família.”

O egocentrismo peculiar à idade sendo vítima de sua própria essência pueril é destacado em Pinóquio. Essência essa que o joga no mundo permitindo-lhe encantar-se por ele, sem temores ou prudência, descobrindo que ser “gente” reside em olhar o outro, em zelar pelo outro, sendo que para isso faz-se necessário controlar seus impulsos naturais a fim de enquadrar-se no mundo dos Homens, com seus códigos obscuros e cerceantes da natureza criativa e aventureira.

Pinóquio, antes de ser uma obra moralista a ensinar a ser um menino bom, é uma metáfora do desenvolvimento infantil a fim de contemplar os padrões de comportamento da época. Quem de nós, crianças ainda, não abandonaria o caminho da escola para assistir ao Grande Teatro de Bonecos? Quem de nós, crianças ainda, resistiria à possibilidade de plantar cinco moedas de ouro e vê-las frutificar em duas mil para ajudar ao seu humilde pai? Nenhum pedaço de pau que quer virar gente resistiria a essas situações se não tivesse dentro de si a “gente” que deseja ser, que, sobrevivente no íntimo, mantém intacta a capacidade de se maravilhar com o mundo lapidando-se no risco da aventura, no erro, nos acertos, nas dúvidas, do que não está nas cartilhas escolares a fim de salvaguardar o bem padronizado da sociedade.

Não se trata de aqui fazer uma apologia à subversão, mas resistir às embalagens impecáveis e sem conteúdo que se negam ao valor da experiência vivida. Talvez, o próprio Carlo Lorenzini, com esta obra escrita na Itália, em 1881, no Giornale per i bambini na forma de folhetim sob o título Storia de un burattino, quisesse dizer à humanidade que por mais erros que alguém venha a cometer, e mesmo o autor tendo abandonado o seminário tal qual seu personagem abandona a escola, todos precisamos de inúmeras chances, basta que estas nos sejam oferecidas com a delicadeza de quem não esqueceu seus tempos de madeira bruta. E, pela urgência dessa postura, Pinóquio continua atual.


Por Hermes Bernardi Jr. (escritor de LIJ, confrade fundador da Confraria Reinações, Coordenador AEILIJ-RS)

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Agradecimento à Carla Laidens

A REINAÇÕES inicia seu segundo ano. Doze livros debatidos, infinitas leituras realizadas. Afinal, é no debate que vamos alargando horizontes e percebendo visões diferenciadas sobre o mesmo livro, o que, com certeza, assegura seu caráter de Arte, à medida que propõe visões plurais. E nesse ano de atividades, muitos foram os confrades que colaboraram com a consolidação da REINAÇÕES. Um dos confrades é a CARLA LAIDENS. Além de fundadora, Carla acabou se tornando, a partir do encontro sobre "O Mágico de Oz", coordenado por ela, nossa oficial criadora dos convites. Porém, dia 25 de abril, Carla voou para Londres. Não sem antes deixar os três próximos convites prontos. Convites que os confrades irão recebendo conforme as datas dos debates forem se aproximando: "Ou isto ou aquilo", de Cecília Meireles; "O pequeno príncipe", de Saint-Exúpery; "Bisa Bia, Bisa Bel", de Ana Maria Machado. Nosso agradecimento público à Carla Laidens e nosso desejo de que, mesmo na distância física, ela permaneça presente, acompanhando os caminhos da Confraria em cuja criação ela auxiliou.

Caio Riter

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Recado aos Confrades

Queridos confrades,

Pois é, estamos chegando ao 12º encontro da REINAÇÕES, e aquela que surgiu como tentativa de forjar um espaço maior para o debate sobre a literatura feita para crianças e para adolescentes aproxima-se de seu aniversário de um ano. Momento de brindar um ano pleno de realizações.

E o brinde será dia 24 de abril, durante atividade da Semana do Livro, promovida pela Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), na LETRAS & CIA, que tem sediado e acolhido nossos debates.

O 12º Encontro, coordenado pelo escritor Cláudio Levitan, debaterá o clássico de Carlo Collodi, PINÓQUIO.

Outra notícia bacana, pra comemorar nosso 1 ano, é que a REINAÇÕES já faz parte do site DOBRAS DA LEITURA, administrado pelo PETER O’SAGAE, um apaixonado pela literatura infanto-juvenil. Acesse o portal e confira: http://www.dobrasdaleitura.com/

Anime-se e exponha suas idéias, suas impressões, suas avaliações sobre algum dos livros debatidos na REINAÇÕES.

Dia 24, você que já passou alguma vez pela REINAÇÕES, apareça, faça-se presente em nosso aniversário. Afinal, cada um dos encontros construiu esse ano de atividades.

Caio Riter

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Entrevista concedida a Sergio Napp, por Tabajara Ruas e Nei Duclós

Entrevista concedida a Sergio Napp, por Tabajara Ruas e Nei Duclós, autores de Diogo & Diana (Volume 1) – Meu vizinho tem um rotteweiler (e jura que ele é manso), livro debatido no 11º Encontro da REINAÇÕES.

TABAJARA: OI, Napp, em primeiro lugar, desculpe a demora. Devo deixar bem claro que é uma grande alegria saber que caras como tu e o Levitan, poetas, escritores e músicos de fina sensibilidade, curtiram nosso texto infanto-juvenil. Acompanho a carreira de vocês desde meus tempos de estudante, desde que era um simples voluntário da arte de escrever (ainda sou) e o tempo só confirma minha admiração. Dito isso, que é a mais pura verdade, vou responder:

NAPP: O que te levou a enfrentar a literatura para jovens? (falta de textos no mercado para esta faixa, falta de bons textos, mais um desafio, etc.)

TABAJARA: Mais um desafio. Já escrevi romances policiais, góticos, históricos e de costumes. Escrevi seis romances, vem aí o sétimo, estes anos: "O detetive sentimental". Mas um texto infanto-juvenil era sim, na época (dois anos atrás) um desafio. A possibilidade de escrever uma história mais livre, mais despojada, com menos significados e mais ação.

NEI: Criei inúmeras histórias quando meus filhos eram pequenos e acabei escrevendo, antes da experiência de Diogo e Diana, dois pequenos livros, ambos para o público infantil. Um é “Rosinha Guarda-Chuva”, em prosa, e o segundo “Viagem ao outro sol”, em poesia. Fui criado, como todo mundo, pelo Monteiro Lobato. Encarar o projeto Diogo e Diana foi o resultado natural dessa vivência. Tabajara Ruas, ao me convidar para desenvolver o projeto, me deu a oportunidade de mergulhar numa saga que poderia somar essas leituras e histórias e abrir novas janelas da criação literária. Um escritor, se está na roda, está sempre pronto. E foi assim que nos metemos nessa encrenca, a melhor que poderia acontecer.

NAPP - como é trabalhar em dupla? Como se dá isto na prática? Quem trazia as idéias, quem elaborava o texto? Havia reuniões? O texto era escrito em conjunto, quero dizer, vocês se reuniam e escreviam ou cada um era responsável por uma parte do texto?

TABAJARA: Trabalhar em dupla é muito bom, se encontramos o parceiro certo. Tenho essa experiência de escrever roteiros para cinema, em geral em parceria.As idéias e os textos de Diogo e Diana foram naturalmente criados e escritos por nós dois. Se um escritor já é capaz de inventar sozinho um monte de bobagens, imagina dois. Fazíamos reuniões, sim, dividíamos as tarefas, trocávamos os textos, trocávamos opiniões a respeito dos textos. Nei e eu somos companheiros de infância em Uruguaiana e escrever esse livro foi só retomar antigas conversas na beira do rio Uruguai.

NEI: Tudo ao mesmo tempo. Há reuniões (estamos nos segundo livro), onde combinamos o argumento (a história em linhas gerais, de cada parte) e dividimos o trabalho,. Escrevemos intercalando os capítulos. No primeiro livro, o início foi do Taba e eu continuei, ele retomou e assim até o final. Neste segundo, eu dei a partida, mas sempre combinando antes. As idéias surgem naturalmente nas nossas reuniões. Temos uma sintonia antiga e estamos acostumados a conversar e criar situações, trabalhar personagens etc. Fazemos isso espontaneamente. Quando tem livros pela frente, fica ainda melhor.

NAPP: Por que uma trilogia?

TABAJARA: Não sei bem porque, mas é legal o compromisso. Talvez seja por isso, pelo compromisso. Saber que vamos ter que espichar a história, desenvolver mais os personagens, extender o desafio até um limite bem mais longe do que uma histórica com começo, meio e fim.

NEI: O Taba veio com o projeto de uma trilogia e eu achei o máximo. É comum tanto na literatura quanto no cinema. Uma trilogia serve para viajar profundamente na história, desenvolvê-la ao máximo, conviver com as criaturas por um tempo maior. É também um resgate dos velhos seriados: sempre tem algo pela frente, uma nova situação, novos perigos. O suspense serve para manter a atenção dos leitores. Tem funcionado. É costume perguntar quando sairá os outros livros.

NAPP: Alguma influência dos best-sellers atuais (Potter, Nárnia, etc.)? Não quanto à história e seu desenvolvimento, mas em relação à extensão e a trilogia.

TABAJARA: Tudo influencia a gente, Napp. Uma folha caindo, leve e silenciosa, despercebida por todos, está lá, num cantinho do livro. Mas a vontade de escrever uma trilogia vem desde a leitura de O Tempo e o Vento, acho eu...

NEI: O Harry Potter convenceu os editores que os adolescentes e as crianças não querem livrecos com meia dúzia de caracteres. Gostam de livrões, que param em pé. Isso já existia na nossa infância. Li todo o Monteiro Lobato infantil naquela famosa edição de capa dura, com livros grossos. Não sei quem inventou essa bobagem que precisa facilitar as coisas para quem tem pouca idade. Os livros clássicos de aventuras são senhores livros. Harry Potter bebeu nessa evidência. Nós nos dispusemos a escrever livros que gratifiquem os leitores, que fossem generosos na complexidade da trama e da natureza e comportamento dos personagens. Mas não existe nenhuma influência de Potter ou qualquer outra saga. Diogo e Diana é invenção brasileira, é coisa nossa.

NAPP: Tenho para mim que os textos atuais são pouco fantasiosos e voltados para o umbigo do autor/personagens (Ana ama Pedro que ama Raquel, mas Raquel é gorda e desengonçada, mas há a formatura e o casal se encontra e Pedro considera que Raquel não é tão gorda e desengonçada, e por aí vamos): vocês sentiram ou pesquisaram o que havia no mercado para optar por uma história real e, ao mesmo tempo, extremamente fantasiosa (fantasia aqui como um predicado).

TABAJARA: Sentimos mais do que pesquisamos. Aliás, não pesquisamos nada. A intuição é nossa pesquisa.

NEI: Não fazemos pesquisa de mercado. Somos escritores, e isso tem a ver um pouco com atenção extrema ao que se passa ao nosso redor e com mediunidade. Estamos impregnados de convivência com a meninada. Nos trabalhos jornalísticos mais recentes, convivi muito com as novas gerações. Nas ruas, nos ônibus, na mídia, por toda parte, a presença da gurizada é impositiva, não há como escapar. Então esse é o insumo que alimenta Diogo e Diana. Não tem perigo de errar. E a solução é clássica: o real é a base da fantasia; no real, há muito do sobrenatural. Duendes, fadas, bruxas, superpoderes nasceram naturalmente no mundo dos vivos, fazem parte da realidade. Tudo é linguagem, tudo é invenção. Acho que o real é o imaginado. Uma leitora aqui de Florianópolis, adulta, perguntou se os personagens existem. Claro que sim, respondi, são inventados.

NAPP: Diogo e Diana aparentam ser dois jovens normais, aos olhos de quem os cerca, mas detém poderes que os tornam diferentes; não há no texto o clássico triângulo amoroso juvenil (já referido acima) e esta não é a preocupação primordial da história: vocês pensaram-na desta forma para evitar o clichê ou não houve a preocupação que eu levanto?

TABAJARA: Há e não há triângulo. Ás vezes é um quadrado. A história ou as histórias de amor da nossa história foi sendo bolada sem muita preocupação de saber quem fica com quem, ainda não sabemos, pode haver muitas surpresas no caminho e juramos por Santa Catarina que haverá. Adolescentes com poderes misteriosos é um clichê muito antigo, o Harry Potter deu um baita impulso no gênero, sem dúvida, mas a vontade de escrever algo assim é bem antiga, anterior ao pequeno mago inglês, que eu acho genial embora só tenha lido o primeiro livro. (Mas vi todos os filmes.).

NEI: Diogo sofre de amor diante de Diana, a bela. Esta faz ciúme usando o Jacaré. Suellen está de olho no Espertinho. Acho que sobra triângulo amoroso. Mas não é a preocupação primordial da história. O tema é a luta contra o Mal, o Mal que ninguém vê, que parece normal e que só nossos heróis conseguem vislumbrar e isso os enche de horror.

Novidade à vista!

Amigos leitores, amantes da Literatura Infantil e Juvenil, caros confrades, tem livro novo pintando no cenário gaúcho. Soube recentemente que Christian David, confrade-fundador da Confraria Reinações, estará lançando em breve seu segundo título. Chama-se Mão Dupla e chega às mãos dos leitores sob a chancela da Artes e Ofícios, editora aqui do Sul que está investindo no gênero com a qualidade que o público merece.

Estejamos atentos e de braços abertos para apoiar ao Christian que teve seu primeiro título financiado pelo Fumproarte, da SMC de Porto Alegre. O Fumproarte tem criado possibilidades infindas ao financiar projetos na área cultural e alavancar algumas carreiras de artistas que nem sempre são acolhidos pelas editoras.

Parabéns ao Fumproarte por dar seu crédito ao Christian. Parabéns à Artes e Ofícios, por avalizar um novo escritor de LIJ!´

Todo novo escritor será sempre muito bem-vindo!

Hermes Bernardi Jr.
Coordenador AEILIJ-RS e escritor de LIJ

Em Tempo!

Por um lapso quase imperdoável esquecemos de dar o crédito da confecção do TOP do blog da nossa Confraria, o TOP é esse desenho bacana que fica lá em cima. Pois é obra do Confrade-fundador Hermes Bernardi Jr. que é escritor, editor, contador de histórias e coordenador regional da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil. Valeu Hermes! Tornaste o nosso espaço único e destacado. Fica aqui o nosso agradecimento, tardio mas intenso.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Notícias da Confraria

O 11º Encontro da REINAÇÕES discutiu o texto DIOGO & DIANA (vOL.1) de Tabajara Ruas e Nei Duclós, que narra as aventuras de um casal de adolescentes (os referidos no título) numa descoberta que envolve medos, enfrentamentos sobrenaturais e também aqueles tão peculiares no adolescer. Entre eles, as angústias do amor. Debate bacana, coordenado pelo escritor Sergio Napp, que apresentou uma entrevista feita com os autores sobre o processo de produção a quatro mãos. Entrevista que, se possível, em breve estará por aqui.
E a REINAÇÕES segue acontecendo.
Além de matéria veiculada na Revista CATAVENTUS nº 1 - Ano I , de Montenegro, editada pelo quixotesco Oscar Bessi e por Cristiane Taim, ambos participantes do Grupo de Rua Cataventus, nossa confraria também recebeu destaque na Zero Hora do dia 03 de abril, na seção Roteiro - Segundo Caderno.

Caio Riter