Entrevista concedida a Sergio Napp, por Tabajara Ruas e Nei Duclós, autores de Diogo & Diana (Volume 1) – Meu vizinho tem um rotteweiler (e jura que ele é manso), livro debatido no 11º Encontro da REINAÇÕES.
TABAJARA: OI, Napp, em primeiro lugar, desculpe a demora. Devo deixar bem claro que é uma grande alegria saber que caras como tu e o Levitan, poetas, escritores e músicos de fina sensibilidade, curtiram nosso texto infanto-juvenil. Acompanho a carreira de vocês desde meus tempos de estudante, desde que era um simples voluntário da arte de escrever (ainda sou) e o tempo só confirma minha admiração. Dito isso, que é a mais pura verdade, vou responder:
NAPP: O que te levou a enfrentar a literatura para jovens? (falta de textos no mercado para esta faixa, falta de bons textos, mais um desafio, etc.)
TABAJARA: Mais um desafio. Já escrevi romances policiais, góticos, históricos e de costumes. Escrevi seis romances, vem aí o sétimo, estes anos: "O detetive sentimental". Mas um texto infanto-juvenil era sim, na época (dois anos atrás) um desafio. A possibilidade de escrever uma história mais livre, mais despojada, com menos significados e mais ação.
NEI: Criei inúmeras histórias quando meus filhos eram pequenos e acabei escrevendo, antes da experiência de Diogo e Diana, dois pequenos livros, ambos para o público infantil. Um é “Rosinha Guarda-Chuva”, em prosa, e o segundo “Viagem ao outro sol”, em poesia. Fui criado, como todo mundo, pelo Monteiro Lobato. Encarar o projeto Diogo e Diana foi o resultado natural dessa vivência. Tabajara Ruas, ao me convidar para desenvolver o projeto, me deu a oportunidade de mergulhar numa saga que poderia somar essas leituras e histórias e abrir novas janelas da criação literária. Um escritor, se está na roda, está sempre pronto. E foi assim que nos metemos nessa encrenca, a melhor que poderia acontecer.
NAPP - como é trabalhar em dupla? Como se dá isto na prática? Quem trazia as idéias, quem elaborava o texto? Havia reuniões? O texto era escrito em conjunto, quero dizer, vocês se reuniam e escreviam ou cada um era responsável por uma parte do texto?
TABAJARA: Trabalhar em dupla é muito bom, se encontramos o parceiro certo. Tenho essa experiência de escrever roteiros para cinema, em geral em parceria.As idéias e os textos de Diogo e Diana foram naturalmente criados e escritos por nós dois. Se um escritor já é capaz de inventar sozinho um monte de bobagens, imagina dois. Fazíamos reuniões, sim, dividíamos as tarefas, trocávamos os textos, trocávamos opiniões a respeito dos textos. Nei e eu somos companheiros de infância em Uruguaiana e escrever esse livro foi só retomar antigas conversas na beira do rio Uruguai.
NEI: Tudo ao mesmo tempo. Há reuniões (estamos nos segundo livro), onde combinamos o argumento (a história em linhas gerais, de cada parte) e dividimos o trabalho,. Escrevemos intercalando os capítulos. No primeiro livro, o início foi do Taba e eu continuei, ele retomou e assim até o final. Neste segundo, eu dei a partida, mas sempre combinando antes. As idéias surgem naturalmente nas nossas reuniões. Temos uma sintonia antiga e estamos acostumados a conversar e criar situações, trabalhar personagens etc. Fazemos isso espontaneamente. Quando tem livros pela frente, fica ainda melhor.
NAPP: Por que uma trilogia?
TABAJARA: Não sei bem porque, mas é legal o compromisso. Talvez seja por isso, pelo compromisso. Saber que vamos ter que espichar a história, desenvolver mais os personagens, extender o desafio até um limite bem mais longe do que uma histórica com começo, meio e fim.
NEI: O Taba veio com o projeto de uma trilogia e eu achei o máximo. É comum tanto na literatura quanto no cinema. Uma trilogia serve para viajar profundamente na história, desenvolvê-la ao máximo, conviver com as criaturas por um tempo maior. É também um resgate dos velhos seriados: sempre tem algo pela frente, uma nova situação, novos perigos. O suspense serve para manter a atenção dos leitores. Tem funcionado. É costume perguntar quando sairá os outros livros.
NAPP: Alguma influência dos best-sellers atuais (Potter, Nárnia, etc.)? Não quanto à história e seu desenvolvimento, mas em relação à extensão e a trilogia.
TABAJARA: Tudo influencia a gente, Napp. Uma folha caindo, leve e silenciosa, despercebida por todos, está lá, num cantinho do livro. Mas a vontade de escrever uma trilogia vem desde a leitura de O Tempo e o Vento, acho eu...
NEI: O Harry Potter convenceu os editores que os adolescentes e as crianças não querem livrecos com meia dúzia de caracteres. Gostam de livrões, que param em pé. Isso já existia na nossa infância. Li todo o Monteiro Lobato infantil naquela famosa edição de capa dura, com livros grossos. Não sei quem inventou essa bobagem que precisa facilitar as coisas para quem tem pouca idade. Os livros clássicos de aventuras são senhores livros. Harry Potter bebeu nessa evidência. Nós nos dispusemos a escrever livros que gratifiquem os leitores, que fossem generosos na complexidade da trama e da natureza e comportamento dos personagens. Mas não existe nenhuma influência de Potter ou qualquer outra saga. Diogo e Diana é invenção brasileira, é coisa nossa.
NAPP: Tenho para mim que os textos atuais são pouco fantasiosos e voltados para o umbigo do autor/personagens (Ana ama Pedro que ama Raquel, mas Raquel é gorda e desengonçada, mas há a formatura e o casal se encontra e Pedro considera que Raquel não é tão gorda e desengonçada, e por aí vamos): vocês sentiram ou pesquisaram o que havia no mercado para optar por uma história real e, ao mesmo tempo, extremamente fantasiosa (fantasia aqui como um predicado).
TABAJARA: Sentimos mais do que pesquisamos. Aliás, não pesquisamos nada. A intuição é nossa pesquisa.
NEI: Não fazemos pesquisa de mercado. Somos escritores, e isso tem a ver um pouco com atenção extrema ao que se passa ao nosso redor e com mediunidade. Estamos impregnados de convivência com a meninada. Nos trabalhos jornalísticos mais recentes, convivi muito com as novas gerações. Nas ruas, nos ônibus, na mídia, por toda parte, a presença da gurizada é impositiva, não há como escapar. Então esse é o insumo que alimenta Diogo e Diana. Não tem perigo de errar. E a solução é clássica: o real é a base da fantasia; no real, há muito do sobrenatural. Duendes, fadas, bruxas, superpoderes nasceram naturalmente no mundo dos vivos, fazem parte da realidade. Tudo é linguagem, tudo é invenção. Acho que o real é o imaginado. Uma leitora aqui de Florianópolis, adulta, perguntou se os personagens existem. Claro que sim, respondi, são inventados.
NAPP: Diogo e Diana aparentam ser dois jovens normais, aos olhos de quem os cerca, mas detém poderes que os tornam diferentes; não há no texto o clássico triângulo amoroso juvenil (já referido acima) e esta não é a preocupação primordial da história: vocês pensaram-na desta forma para evitar o clichê ou não houve a preocupação que eu levanto?
TABAJARA: Há e não há triângulo. Ás vezes é um quadrado. A história ou as histórias de amor da nossa história foi sendo bolada sem muita preocupação de saber quem fica com quem, ainda não sabemos, pode haver muitas surpresas no caminho e juramos por Santa Catarina que haverá. Adolescentes com poderes misteriosos é um clichê muito antigo, o Harry Potter deu um baita impulso no gênero, sem dúvida, mas a vontade de escrever algo assim é bem antiga, anterior ao pequeno mago inglês, que eu acho genial embora só tenha lido o primeiro livro. (Mas vi todos os filmes.).
NEI: Diogo sofre de amor diante de Diana, a bela. Esta faz ciúme usando o Jacaré. Suellen está de olho no Espertinho. Acho que sobra triângulo amoroso. Mas não é a preocupação primordial da história. O tema é a luta contra o Mal, o Mal que ninguém vê, que parece normal e que só nossos heróis conseguem vislumbrar e isso os enche de horror.
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